Família aguarda repatriação de paraenses prisioneiros na Síria

Escrito por em 9 de Março, 2025

Karina Aylin e o filho, Abdallah, de sete anos, aguardam em meio ao conflito de guerra para serem repatriados ao Brasil

Uma paraense chamada Karina Aylin Raiol Barbosa e o filho, Abdallah, que atualmente tem sete anos, estão desde 2019 como prisioneiros na Síria. Na época, a jovem foi acusada de ter feito parte do Estado Islâmico. Desde então, a paraense e a criança foram mantidas sob domínio dos curdos, grupo radical que até hoje vive em guerra com extremistas islâmicos devido a questões territoriais. No Pará, durante os quase nove anos em que Karina está longe, a família dela sofre com a situação e luta para que as autoridades brasileiras consigam repatriar a jovem e o filho. No entanto, a situação se agravou ainda mais desde agosto de 2024, pois a paraense está incomunicável após ter sido levada para o isolamento na prisão.

Karina chegou à Síria em 2016 e, atualmente, está com 28 anos. A jovem se converteu ao islamismo em 2015, quando ainda morava em Belém. Segundo familiares, ela foi aliciada e então fugiu para Istambul, na Turquia. De lá, Karina foi para a Síria. Conforme os conflitos de guerra entre o Estado Islâmico e os curdos aumentavam na região onde a jovem estava, a família da paraense passou a tentar trazê-la de volta ao Brasil. Todos ficaram ainda mais temerosos após a chegada de Abdallah, que nasceu em janeiro de 2018 dentro de um acampamento no deserto, em meio às tensões armadas no país do Oriente Médio. Até 2019, os curdos eram apoiados pelos Estados Unidos, o que aumentava ainda mais a tensão.

A irmã de Karina, Karen Raiol, passou a usar as redes sociais para chamar atenção ao caso e tentar trazer a irmã para o Brasil. Em entrevista ao O Liberal, ela relata que Karina está presa na região de Rojava, no chamado ‘acampamento de Roj’, em uma pequena cidade às margens do rio Eufrates, na fronteira entre a Síria e o Iraque.

“Ela entrava em contato com a gente quando não estava presa. Nós nos falávamos. Mesmo depois que ela foi levada para a prisão, em 2019, ela conseguia manter contato de vez em quando por ligação. Quando as coisas foram piorando, por causa da guerra, estávamos tentando ajudar para que ela saísse dessa área e fosse para um lugar seguro. Depois íamos tentar trazê-la para o Brasil. O nosso maior pedido é que o pessoal da embaixada vá até lá para buscar ela e o Abdallah. Eles têm que ir lá urgentemente fazer isso para salvar a vida deles”, diz Karen.

A família, angustiada, buscou ajuda de vários órgãos brasileiros e também do Pará na tentativa de repatriar Karina e o filho. “Já tem um processo aberto de repatriação no Ministério Público. Na Defensoria Pública da União, ocorreu algum problema e o processo que abrimos ficou parado, não sei o motivo. Depois, eles entraram em contato com o meu pai e perguntaram se queríamos que continuasse, e falamos que sim. Desde janeiro, esse processo passou a ser novamente movimentado, mas até agora sem resposta. Com relação ao Itamaraty, eu também entrei em contato, mas não tive muito retorno porque eles também não falam nada. Eles mandavam eu ir à embaixada do Brasil e eu fui a Brasília, mas não tive retorno”, conta.

Em contato com o Itamaraty e a embaixada do Brasil em Damasco, que responde pela região da Síria, a reportagem foi informada, na quarta-feira (5/3), que os órgãos têm acompanhado a situação da brasileira que se encontra presa na região nordeste da Síria, sob a tutela da Autoridade Autônoma do Norte e do Leste da Síria (curdos).

“Essa região e seus habitantes se encontravam há anos em estado de rebelião contra o governo do então presidente Bashar Al-Assad, o que impediu, apesar de várias tentativas do governo brasileiro, a repatriação da referida nacional brasileira e de seu filho”, comunicaram por meio de nota.

Porém, a embaixada aponta que o cenário diplomático tem apresentado melhora e que foi iniciada uma tentativa de diálogo com os curdos. Mas ainda não há previsão para a repatriação de Karina. “Com a ascensão do novo governo, em 8 de dezembro passado, os atuais governantes sírios têm mantido contatos com a Autoridade Autônoma do Norte e do Leste da Síria, mas ainda não foram plenamente restabelecidas as relações entre as partes. Em consequência disso, a Embaixada do Brasil em Damasco vem aguardando a evolução das negociações em curso, para em breve poder retomar as gestões com vistas à transferência da brasileira para o Brasil”, afirmaram as autoridades das relações exteriores.

A Defensoria Pública da União (DPU) confirmou a atuação no caso envolvendo a paraense Karina Aylin e declarou que o processo tramita em segredo de justiça. “Em 2020, a DPU ajuizou uma ação pedindo que o governo adotasse providências para repatriar a brasileira. Entretanto, a liminar foi indeferida pela Justiça Federal. Diante da urgência do caso, a instituição pediu celeridade na apreciação da demanda, mas ainda aguarda a sentença”, informaram em nota enviada na quinta-feira (6/3).

Após ser procurado, o Ministério Público do Pará informou, na quinta-feira (6/3), que, “considerando que este é um caso que envolve diplomacia internacional, a competência não é da esfera estadual.” “O caso pode ter acompanhamento da Procuradoria-Geral da República, embaixada ou consulado. Pode ser que a Polícia Federal também esteja investigando”, destacaram. Por sua vez, a Procuradoria-Geral da República informou, na quinta-feira (6/3), que não localizou informações públicas sobre o caso. “Em tempo, em situações de sigilo, não temos acesso a mais informações. Sugerimos verificar junto ao MRE”, disseram em nota.

Isolamento

Durante a entrevista, Karen relatou que perdeu o contato com Karina desde o dia 28 de agosto de 2024. Karina teria sido colocada em isolamento na prisão do acampamento curdo após ser acusada de tentar fugir do local, junto com um grupo de mulheres, que pretendiam se encontrar com supostos membros do Estado Islâmico.

“Em julho de 2024, ela tinha aceitado dar entrevista para um repórter brasileiro que estava cobrindo a guerra lá. Só que ele só conseguiu ir até o acampamento em outubro, depois de ter as autorizações do governo curdo. Mas desde agosto eu não consegui mais falar com ela. Quando o repórter chegou lá, um guarda informou que ela já estava presa em isolamento junto com o filho e que não ia dar entrevista. O soldado disse que ela foi detida tentando fugir do acampamento, que ela e a criança já estavam do lado de fora. Então, quando isso acontece, eles são logo isolados. Ele até tentou pedir permissão para falar com ela na prisão, mas não conseguiu ter acesso”, conta Karen.

Depois do isolamento de Karina, uma finlandesa que também estava presa e havia feito amizade com a paraense dentro do acampamento Roj passou a mandar mensagens para Karen contando a situação da jovem e do filho dentro da prisão. “A notícia mais grave que eu tive é que a Karina estava dentro de um banheiro improvisado como solitária. Ela estava correndo risco de vida, bebendo água suja e comendo comida do chão. Ela disse, depois de alguns dias, que o Abdallah não estaria mais com a mãe. Ele tinha sido tirado dela e foi deixado sozinho, entregue para qualquer pessoa lá no acampamento. Ou seja, ele está sozinho, longe dela”, lamenta Karen.

Ainda de acordo com Karen, em uma das últimas conversas com a finlandesa, a mulher contou que a pessoa que passava as informações sobre a situação de Karina na prisão estava se recusando a dar novos detalhes da paraense. “A pessoa que fazia a ‘ponte’ para sabermos sobre a Karina não queria mais falar nada. Mesmo oferecendo o dobro do dinheiro, ela se recusa. A pessoa só disse que aconteceu algo muito sério com minha irmã nesse isolamento. Então, não sabemos se ela ainda está viva. Tenho medo de a qualquer momento receber a notícia de que minha irmã está morta e o filho ficou sozinho lá”, declara Karen.

A acusação sobre a suposta fuga de Karina, feita pelos curdos, não é possível de ser confirmada. Sendo assim, não há defesa ou qualquer processo judicial. A paraense permanecerá presa pelo tempo determinado pelas lideranças radicais.

Caminho para Síria

Karina Aylin era estudante do Curso de Jornalismo na Universidade Federal do Pará (UFPA). Em 2014, aos 18 anos, ela iniciou um curso de língua árabe oferecido pela Universidade. Com alguns meses de curso, a jovem passou a frequentar a mesquita de Belém. Após manifestar o desejo de conversão à religião muçulmana, em abril de 2015, Karina passou pela cerimônia e se converteu ao islamismo.

O último contato de Karine com a família foi no dia 4 de abril, quando ela saiu de casa e disse que ia para a universidade. Na madrugada do dia 5 de abril de 2016, já com 20 anos, a jovem saiu do Brasil sem avisar os pais. Após perceber o desaparecimento e procurar na UFPA, a família passou em hospitais e então foram para o aeroporto. No local, a Polícia Federal informou que a paraense havia tirado passaporte em dezembro de 2015. Em contato com a faculdade, os pais descobriram que a jovem não estava mais indo às aulas desde fevereiro, apesar de não ter trancado a matrícula.

Em maio de 2016, cerca de um mês depois de desaparecer, Karina fez contato com os pais. Ela contou que havia conhecido um homem pela internet e estava com ele, mas não informou o local. Então, o caso passou a ser investigado pela Polícia Federal. As autoridades apuraram se a jovem teria sido aliciada para deixar o Brasil após se converter ao islamismo e se havia ligação com grupos extremistas.

Já em outubro de 2016, Karina ligou novamente para a família e contou que havia se casado em Istambul, na Turquia. No entanto, ela relatou que inicialmente pensava que o marido trabalhava para organizações humanitárias na Síria. Mas quando já estava em território sírio, descobriu que o companheiro era um soldado do Estado Islâmico. Em 2017, Karina fez contato novamente com a família, disse que estava em Raqqa, capital do Estado Islâmico, e que havia engravidado. Durante a gestação, ela manteve outros contatos com a família e disse que a guerra estava piorando e as tropas dos curdos se aproximavam da cidade onde ela estava. Em 2018, Abdallah nasceu em um acampamento no deserto.

Já em janeiro de 2019, após a morte do marido de Karina, durante os conflitos, a família enviou dinheiro para que a paraense contratasse um atravessador que a tirasse do território de guerra. No entanto, quando a jovem e o filho estavam em um grupo que fugia do território islâmico, eles foram presos pelos curdos, acusados de envolvimento com o Estado Islâmico e levados para locais vigiados. Desde então, a jovem passou por vários acampamentos e abrigos pertencentes aos curdos e chegou a ser mantida no Al-Hol, o maior campo de refugiados da Síria. No entanto, depois foi levada para Roj.

Resgate

Na tentativa de dar visibilidade ao caso de Karina e Abdallah, em janeiro deste ano, a família fez uma passeata solidária na Praça da República, em Belém. Amigos, familiares e outras pessoas que se solidarizam com a tentativa de repatriação da jovem estiveram no ato.

“Eu estou morando em São Paulo, mas decidi vir para Belém, em janeiro, para fazer uma passeata. A gente estava tentando chamar a atenção da mídia e de alguma autoridade, quem sabe do governador, já que a embaixada não enviava respostas. Nossa intenção é fazer algo pela Karina e pelo Abdallah de maneira urgente”, disse Karen.

Os participantes da passeata usaram camisas com o rosto de Abdallah e seguraram faixas questionando o motivo do silêncio e da falta de ações das entidades responsáveis pela diplomacia com relação ao caso. Segundo Karen, vários veículos de imprensa estiveram no ato e repercutiram o caso. Segundo a irmã de Karina, a família pretende continuar atuando ativamente para não deixar o caso ser esquecido e conseguir trazer a paraense e o filho para perto da família no Brasil novamente.

De “O Liberal”


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