COP30: impasse sobre fundo climático volta ao centro das discussões
Escrito por Jornalismo Nativa em 7 de Novembro, 2025
Comandado por Lula, encontro de líderes nesta quinta-feira tenta emplacar fundo de investimento para florestas. Reunião marca início de negociações climáticas antes da COP30
Quando chefes de Estado desembarcarem em Belém do Pará para o Encontro dos Líderes, nesta quinta-feira, vão sentir um calor mais intenso do que o normal. Os 31°C esperados para o dia superam a média histórica de 27,4°C para o mês, calculada pelo Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet).
Lula e a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, em Belém
A subida nos termômetros em todo o planeta – e seus impactos devastadores – acontece pouco antes da abertura da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP30, marcada para iniciar dia 10. Neste ano, o presidente anfitrião Luiz Inácio Lula da Silva precisou antecipar a agenda por conta da crise de hospedagem na cidade sede.
Depois do risco de cancelamento da participação de diversos países por conta dos preços exorbitantes, 143 delegações confirmaram presença, e 57 delas virão com representantes máximos.
A vinda dos líderes antes da abertura oficial das negociações e o que eles dirão ao mundo ao fim do encontro vai dar o tom do que a diplomacia vai priorizar em Belém. Não se pode fugir da conta cara da adaptação às mudanças climáticas, opina Marina Silva, ministra do Meio Ambiente.
– Se não tiver ajuda global para que se possa dar respostas locais para o problema da mudança do clima, os países vulneráveis vão continuar pagando o maior preço e o maior custo – declarou a ministra numa coletiva de imprensa em Brasília antes de seguir para a COP30, em Belém.
Entre os participantes do Encontro de Líderes desta quinta, estavam previstas as participações do príncipe britânico William, do presidente da França, Emmanuel Macron, o chanceler federal da Alemanha, Friedrich Merz, e a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen.
Rumo ao trilhão
O tópico quente da rodada será o financiamento climático. Numa madrugada fria de Baku, no Azerbaijão, ano passado, a negociação da COP29enterrou de vez um antigo objetivo – nunca atingido – fechado em 2015 no Acordo de Paris. Em vez dos 100 bilhões de dólares anuais prometidos naquela ocasião, o que passaria a vigorar seria um novo sistema, a Nova Meta Quantificada Coletiva (NCQG, na sigla em inglês).
Mas o montante anunciado causou revolta em quem acompanhava o desfecho. No documento final, países desenvolvidos se comprometeram a disponibilizar 300 bilhões de dólares por ano até 2035 para os menos desenvolvidos lidarem com as mudanças climáticas. O mínimo necessário, segundo estimativas de especialistas, é de US$ 1,3 trilhão anuais.
Desde então, um grupo de diplomatas vem tentando traçar o roteiro para este dinheiro aparecer. Ele foi apresentado nesta quinta-feira no relatório intitulado Baku to Belém Roadmap to 1,3T, liderado pelo embaixador brasileiro André Corrêa do Lago, presidente da COP30, e Mukhtar Babayev, que exerceu a função em seu país, Azerbaijão, na COP29.
Com 81 páginas, o documento conclui: é possível. E aponta os princípios básicos para mobilizar essa soma de recursos por ano: aumento de doações e financiamentos; criação de espaço fiscal que possibilite até aos países trocarem suas dívidas por investimento na natureza; uso de finanças privadas; reforma dos sistemas financeiros com inclusão de riscos climáticos em regulações.
Agora resta saber o quanto o documento vai influenciar as conversas entre chefes de Estado e, depois, entre negociadores, para que o roteiro sugerido saia do papel.
– Muitos dos negociadores estão recebendo o relatório agora, ainda não o leram e, portanto, não podem negociar nada especificamente. Mas, se decidirem fazê-lo, poderão dar orientações sobre como desejam levar o processo adiante, e nós faremos consultas para ouvir deles o que querem fazer – respondeu Ana Toni, CEO da COP30, à agência alemã de notícias Deutsche Welle (DW) durante uma coletiva de imprensa.
Com esse dinheiro em mãos, diz o relatório, a prioridade deve ser investir na adaptação, perdas e danos provocados pelas mudanças climáticas. Geração de energia limpa, conservação e restauração da natureza, crédito rural e incentivos para agricultura resiliente, transição justa com inclusão social são os outros pontos destacados.
Mesmo que este dinheiro realmente apareça, não há garantia de que ele chegue facilmente a quem mais precisa. “Os países vulneráveis enfrentam barreiras de acesso, devido à burocracia e exigências de credenciamento de instituições financeiras”, lembra Marina Guião, analista de política climática do Instituto Laclima, em entrevista à DW.
Uma longa briga por dinheiro
A COP acontece no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima (UNFCCC), criada durante a histórica Rio-92 ou ECO-92. Naquele ano, Fernando Collor ainda era presidente e líderes como George Bush (EUA), François Mitterrand (França) e Fidel Castro (Cuba).
Ali já ficou estabelecido que as nações ricas são as responsáveis históricas pelo aquecimento do planeta, cujos impactos ainda pareciam projeções futuras. Foram esses países os primeiros a queimar combustível fóssil em grande quantidade para ampliarem suas economias, na esteira da Revolução Industrial.
Isso criou as bases para o aconteceu em 1997 no Protocolo de Kyoto, quando surgiu o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL).
Segundo ele, países ricos podiam financiar projetos limpos s em países do Sul global em troca de créditos de carbono. Os créditos, por sua vez, eram comprados para que os países poluidores abatessem suas emissões e atingissem a meta estipulada pelo protocolo.
Pouco mais de 10 anos depois, em 2009, as negociações travadas ao longo da COP15, em Copenhague, renderam pelo menos uma esperança. Costurado com a ajuda de chefes de Estado como Barack Obama (EUA), Lula, Wen Jiabao (China) e Jacob Zuma (África do Sul), um acordo prometia 100 bilhões de dólares por ano até 2020 que pagaria pela adaptação dos mais vulneráveis. Nunca foi cumprido.
– Os fundos climáticos devem passar por revisão de governança, captação e transparência durante a COP30. Os países devem analisar o relatório Baku to Belém, repensar critérios, como ampliar a base de doadores e contabilizar aportes via bancos multilaterais – comenta Tatiana Oliveira, da ONG WWF Brasil, mencionando ainda o Fundo de Perdas e Danos, criado na COP28, em Dubai.
Almoço com florestas no cardápio
Em Belém, Lula oferecerá um almoço aos líderes com um item especial a ser discutido: Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF, na sigla em inglês). Idealizado pelo Brasil, a iniciativa quer reconhecer com dólares quem protege suas florestas, importantes para conter a crise climática.
O arranjo da iniciativa é considerado inovador. Ele é inspirado em instrumentos de investimento soberano, não em doação direta, e é uma das “entregas” aguardadas desta COP30. O TFFF pretende mobilizar 125 bilhões de dólares, com aportes iniciais de 25 bilhões de fundos soberanos. Para quem investir, a expectativa de retornos anuais é na casa dos 4 bilhões de dólares.
– Esses ganhos seriam distribuídos entre os investidores e uma parte para os países detentores de florestas, de modo a recompensar financeiramente a preservação ambiental – explica Guião.
Como está fora do âmbito das negociações formais da COP, o TFFF traz uma maior flexibilidade para atrair novos doadores e investidores privados, adiciona a analista. O Brasil garante que os investidores irão recuperar o montante investido e terão remuneração compatível com as taxas médias de mercado.
Segundo Oliveira, o TFFF é “bem-visto” por organizações ambientais por propor um arranjo mais equitativo entre Norte e Sul, tanto na captação quanto na alocação dos recursos. Ela destaca que o mecanismo prevê a destinação de até 20% dos recursos para povos indígenas e comunidades tradicionais.
– Grupos indígenas do Brasil e de outras regiões participaram ativamente do processo de negociação e chegaram a um acordo com representantes do mecanismo e do Banco Mundial, que vai operacionalizar os recursos do fundo – elogia Oliveira.
“Banheira furada”
À medida que a crise do clima se agrava e as temperaturas sobem, a disputa pelo dinheiro aumenta. Há uma grande pressão para que os países desenvolvidos aumentem seus aportes, e eles têm dado várias desculpas para não o fazer, como problemas fiscais internos e turbulência política.
Aliviar a histórica tensão Norte x Sul deve ser uma das prioridades do presidente do Brasil, que tem falado sobre o complexo contexto geopolítico e a importância do multilateralismo global.
Na avaliação de Gustavo Souza, diretor sênior de políticas públicas e incentivos da Conservação Internacional (CI-Brasil), os velhos fundos e sistemas de financiamento climático carregam problemas estruturais.
– A gente está tentando encher essa ‘banheira’ com novos recursos, mas ao mesmo tempo é uma banheira furada, porque toda a estrutura de subsídios que estão causando danos ambientais e sociais continua aí – explica.
É preciso atrair novos investimentos sustentáveis e redirecionar aqueles que financiam a destruição ambiental, defende Souza, realocando esses recursos na conservação e uso sustentável dos ecossistemas, fechando de uma vez por todas a torneira do dinheiro que vai para atividades econômicas que promovem o desmatamento e a degradação.
Por Redação, com DW – de Brasília
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